Pioneiros da Ecologia

Os Principais Colaboradores na Origem da Ecologia

Embora a Ecologia, tenha “nascido” em 1869, Pascal Acot, em a História da Ecologia, reconhece em Humboldt um dos naturalista que iniciou os estudos da dinâmica dos ambientes naturais, em especial, sobre a distribuição dos tipos de vegetação pela superfície do globo. O trabalho de Humboldt (Quadros da Natureza e Ensaio sobre a geografia das plantas) originou a geografia das plantas (fitogeografia). Humboldt começou a explicar a paisagem natural pela caraterização do relevo e das relações das plantas com o clima e com o solo, bem como da interação da paisagem com os seus habitantes humanos e a influência na cultura desenvolvida por eles, destacando as peculiaridades da paisagem em cada região geográfica relacionadas a respectiva cultura local.

De acordo com Passos (1988), o conceito de natureza de Humboldt está associado a uma ideia de paisagem integrada. Essa tendência de considerar a fisionomia da paisagem um eixo central da pesquisa foi seguido por Grinsebach e outros (Acot, 1990; Passos, 1988). Embora a origem da ecologia seja atribuída a Ernest Haeckel, em 1869, Acot (1990), considera o trabalho de Eugen Warming em 1895, sobre vegetação, como o marco inicial da ecologia. Esta afirmativa de Acot se fundamenta no fato de que o ramo de estudo que liderou o desenvolvimento da ecologia foi justamente o de Humbolt, seguido e estruturado melhor na fitogeografia de Warming ao caracterizar a geobotânica florística e a geobotânica ecológica. Esta linha, teve continuidade em Cowles e Clements, como veremos adiante.

Ernest Haeckel no século XIX seguiu a linha de pesquisa de Lineu, do século anterior, na interpretação dos sistemas naturais, do ponto de vista do equilíbrio natural. As pesquisas de Haeckel tiveram como principal abordagem as adaptações dos organismos aos ambientes e, também, teve forte influência das ideias de Charles Darwin. No entanto, a principal concepção de ‘natureza’, na época da origem da ecologia foi a concepção de Humboldt.

Haeckel Humboldt

Ernst Haeckel (1834-1919)

Alexander von Humboldt (1769-1859)

* Grinsebach foi um botânico do século XIX que definiu um sentido do conceito de formação vegetal fundamentado na fisionomia da vegetação (Drouin, c. 1991).

A Contribuição de Stephen Alfred Forbes

Forbes foi um dos pioneiros no estudo da ecologia dos ambientes aquáticos continentais, sendo um dos fundadores de uma nova ciência originada da ecologia, a Limnologia. Nos estudos de Forbes percebemos uma preocupação em realizar abordagens integradas dos ambientes, desde a dinâmica natural até os usos e impactos da sociedade humana.

Quando Forbes realizou um dos primeiros trabalhos de Limnologia, em 1887, teve na observação e descrição das paisagens importantes referenciais para a caracterização dos lagos onde estudou os fatores físicos, a fauna e suas associações e relações com o meio. Como aspectos da paisagem, Forbes (1887) considerou a forma dos lagos, se regular ou irregular e a que se assemelhavam; a presença de canais de comunicação e seus efeitos; a extensão que ocupavam (largura, tamanho); características das margens; topografia; coberturas de vegetação; turbidez da água; isolamento do lago; sedimentos predominantes e a relação da presença dos vegetais com a de outras espécies e/ou fatores físicos (associações vegetais).

Forbes & Richardson (1919) delinearam uma série de alterações em sua análise do rio Illinois, associando os principais problemas e danos rio abaixo à abertura de um canal de esgotamento sanitário cujas conseqüências afetavam os usos múltiplos do rio. Eles descreveram as alterações na paisagem e repercussões na vida do rio, na qualidade física e química da água e sua disseminação (contaminação), bem como o processo de eutrofização.

Forbes   Stephen Alfred Forbes (1844 – 1930)

A destruição dentro e ao longo do rio tem sido evidente, especialmente, pelo amplo cinturão de árvores e arbustos mortos ao longo dos diques, em especial na porção mediana do rio […]. Outro efeito importante surge a medida que as árvores morrem, enfraquecem e caem nas águas paradas de alguns lagos, obstruindo-os […] (Forbes & Richardson, 1919, p. 142)

Forbes & Richardson (1919) consideraram que um dos principais efeitos, da abertura do canal, foi sobre a população de algas que ocupavam as águas rasas do rio. Esta população sofreu com o aumento da profundidade e com o sombreamento pela proliferação de macrófitas, após o aumento do nível hidrométrico. Essa elevação das águas descaracterizou a vegetação das margens ao longo do rio e, também, alterou o padrão da temperatura e demais fatores limnológicos, retardando, por exemplo, a taxa de decomposição no rio.

Essa alteração no regime das águas provocou a descaracterização de habitats e hábitos alimentares das espécies nativas. O incremento de nutrientes pelo esgoto alterou o padrão de distribuição das espécies no rio, por exemplo, desfavorecendo umas (alguns peixes nativos) e favorecendo outras (alguns exóticos), ocasionando problemas na agricultura e suprimento de alimentos. Assim, aprendemos que os efeitos de pequena escala, como a elevação da água em um trecho do rio e alteração de sua qualidade física e química, podem produzir efeitos de grande escala, ao comprometer as paisagens do entorno do rio e seus usos múltiplos.

Na sua discussão, Forbes (1887) exemplifica a importância do pesquisador expressar suas reflexões no trabalho, sobre a influência das atividades humanas e repercussões no ambiente e demonstrar, com isso, a abrangência da ecologia. Forbes & Richardson (1919), deixam claro a preocupação em expandir as fronteiras da abordagem puramente científica para disponibilizar os conhecimentos obtidos às necessidades de manejo e solucionar os problemas do despejo de esgoto em relação aos usos múltiplos do rio Illinois, como a agricultura, a pesca e as atividades correlatas. Um exemplo de que estes autores já vislumbravam amplas possibilidades na aplicação da ecologia para solução de problemas ambientais e também ilustram o uso da interpretação das paisagens na sua divulgação.

A Contribuição de Henry Chandler Cowles

No trabalho de Cowles, percebemos a busca de informação a partir da interpretação dos elementos da paisagem, com especial ênfase para a dinâmica natural dos ambientes. Cowles (1889) considera importante para o ecólogo o emprego da observação das paisagens em sua constante mudança e o desafio de compreender quais as suas causas. A aparência do presente, para Cowles, resultaria dessa dinâmica espacial e temporal.

“O ecólogo emprega os métodos da Fisiografia, considerando a flora de um lago, um alagado ou uma encosta de colina, não como uma característica de uma paisagem imutável, mas como um panorama que nunca se repete. (…) O ecólogo, portanto, deve estudar a ordem da sucessão de uma associação de plantas no desenvolvimento de uma região, ele deve se desafiar a descobrir as leis que governam as mudanças no panorama. Ecologia, portanto, é um estudo em dinâmica (Cowles 1899, p.28)”.

Cowles Henry Chandler Cowles (1869 – 1939)

Kingsland (1991), reconhece que o conceito de continuum , empregado amplamente na ecologia para os estudos de análise de gradiente (estudo da distribuição das espécies em função das variações ambientais), já estava implícito no pensamento de Cowles. Para compreender a dinâmica das paisagens de dunas Cowles (1889) considerou alguns aspectos:

  • As variações na temperatura: devido às características topográficas e da presença/ausência de plantas;
  • O vento: como agente erosivo ou aglomerativo do solo, dispersor, de perturbação e lixiviação, resultando em padrões alterados da paisagem;
  • O solo: a coloração e textura podem dar uma idéia da sua origem, história
    e qualidades (fertilidade, drenagem);
  • A água: as características da vegetação (como folhas e raízes) podem ser indicativas do estresse hídrico por que passa (escassez ou excesso);
  • As variações na topografia: indicando o nível de disponibilização de água
    e matéria orgânica (ladeiras, montanhas e depressões);
  • As atividades industriais: fumaça e efluentes que informam sobre o grau de alteração do ambiente;
  • As variações na aparência da vegetação: que indicam adaptações ao meio (contorcimento, tamanho, textura, ramificação, coloração, folhagem e outras).

Cowles (1889), também salienta a existência de espécies bioindicadoras importantes na caracterização da paisagem e que as alterações na vegetação da paisagem, freqüentemente, repercutem nos ambientes associados. Alguns indicativos dessas alterações podem ser percebidos, em virtude da tendência a mudanças gradativas nas paisagens. Assim, Cowles (1889) considerava a paisagem um resultado das adaptações da vegetação ao ambiente, bem como das modificações que os vegetais causam no ambiente (topografia, solo).

A contribuição de Joseph Grinnell

Foi Grinnell (1917) quem primeiro utilizou o termo nicho. O uso inicial, estava associado ao sentido original do termo francês niche, no sentido de local ou localização no ambiente, enfatizando a adaptação à estrutura física do habitat (Real & Levin, 1991). Grinnell aplicou o conceito de nicho ecológico após estudar a região de uma ave (o tordo) que possuía uma restrita distribuição. As descrições da paisagem o auxiliaram na compreensão dessa distribuição. Ele analisou o espaço de atividade dos tordos pela observação das paisagens, identificando os limites da distribuição dessa ave e os pontos de contatos dos ambientes.

JGrinnell1901 Joseph Grinnell (1877–1939)

O nicho é considerado por alguns autores como a “pedra fundamental” no desenvolvimento da ecologia teórica, pois é um dos conceitos que apresenta as mais variadas definições, tornando-se até um dos mais confusos entre nós e, ao mesmo tempo, um dos mais inseridos na linguagem comum. O conceito de nicho e o princípio de Gause dominaram as abordagens em ecologia por décadas. Observando a cadeia conceitual do nicho, podemos reconhecer que as características observáveis na paisagem não se limitam ao estudo da aparência do ambiente (sua fisionomia); essas observações podem levar a uma abordagem funcional do ambiente, o conceito de nicho multidimensional (sensu Hutchinson, 1957).

GE Hutchinson George Evelyn Hutchinson (1903 — 1991)

Segundo Real & Levin (1991), Charles Elton, em 1927, retomou o conceito de nicho de Grinnell, enfatizando seu papel funcional na comunidade. A idéia central desta ênfase é que as espécies rendem melhor onde elas vivem. Em seguida, Gause, em 1934, adaptou o conceito de Elton sob o aspecto da competição entre as espécies, baseando-se neste para formular o princípio da exclusão competitiva: … como resultado da competição, duas espécies similares raramente ocupam um nicho similar, no entanto, a separação entre elas ocorre de tal forma que cada uma possua tipos particulares de alimentação e modos de vida, no qual as vantagens superem a competição (Gause, 1934 apud Real & Levin, 1991).

Posteriormente, Hutchinson (1957, 1959) elaborou uma definição mais completa de nicho, considerando sua relação com a competição e a diversidade de espécies. Sua abordagem, relacionou a geração e manutenção da diversidade através da ocupação do nicho, resultando em novo enfoque da teoria da diversidade e considerando a importância da estabilidade na comunidade. Portanto, para Hutchinson, a ocupação dos nichos se relaciona com a distribuição das espécies e sua abundância relativa (Real & Levin, 1991).

A contribuição de Frederic Eduard Clements

Clements foi um dos principais autores que fez a ecologia se estabelecer como ciência, sua contribuição se estendeu desde novas teorias a novos métodos e instrumentos de pesquisa. Ele ficou mais conhecido pela polêmica levantada sobre o seu conceito de comunidade, debatido por vários outros autores, especialmente, Gleason e Tansley. Ainda hoje existem divergências sobre o conceito de comunidade, tal qual há um século passado.

Clements focalizou seus estudos em paisagens de campos e florestas de coníferas criando uma teoria de comunidade de plantas diferente da teoria de Cowles. O fato de a estrutura de comunidade ser pensada sob o enfoque da vegetação se deve à aparência predominante e “fixa” das paisagens vegetais na concepção de Clements (Kingsland, 1991; Clements, 1916; 1936).

“O desenvolvimento do estudo da vegetação necessariamente recai na SUPOSIÇÃO de que uma unidade ou formação de clímax, é uma entidade orgânica …
A sucessão é o processo UNIVERSAL …. Ela SEMPRE tem ocorrido na história de qualquer clímax e deve voltar a ocorrer sempre que houver condições propícias”.

Clements
Frederic Edward Clements
(ao centro, em pé) (1874 – 1945)

Na época, Clements já ressaltava a importância das planícies de inundação e sua relação com a dinâmica natural. Apesar das divergências sobre suas teorias, a visão de Clements era crítica quanto a idéia de equilíbrio natural (ecológico), ele defendia o caráter dinâmico de mudanças ambientais.

“Em NENHUMA área de clímax as evidências da sucessão estão ausentes … . As evidências mais óbvias estão nas áreas fisiograficamente ativas, como as dunas, lagos, PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO, entre outras, inclusive as perturbadas pelo homem. Contudo, mesmo a associação mais estável NUNCA está em completo equilíbrio, nem está livre de perturbações pelas quais as sucessões secundárias se instalam (Clements, 1916, p.3)”.

Essa linha de estudo das sucessões vegetais é a mesma de Cowles, pois há um enfoque para a dinâmica, mas Clements expandiu a Ecologia para outras áreas. A obra de Clements se destaca na teoria, Pedagogia e relação da Ecologia com outras disciplinas. Ele também trabalhou em inovações metodológicas e técnicas da pesquisa ecológica, por exemplo, criando novos métodos para integrar a fisiologia com os fatores ambientais na vegetação, nos animais e sobre o conjunto dos organismos (comunidade). Lançou mão de vários instrumentos, os modificou, adaptou e melhorou com seu lado inventivo (Acot, 1990).

Segundo Acot (1990), as considerações de Clements sobre a tendência à estabilidade da vegetação, após reagir aos fatores ambientais ao longo do tempo, vai culminar com o conceito de homeostasia dos ecossistemas, como veremos mais adiante em Odum (1969), e que ficou mais conhecido popularmente como “equilíbrio ecológico” (uma ideia desgastada e em desuso na ecologia).

Acot (1990) considera que o trabalho de Clements também teve importante repercussão no campo econômico-agrícola, uma vez que o controle de pragas e doenças se tornou um novo campo no qual são aplicados princípios da ecologia e, como uma das conseqüências, os fundamentos da higiene passam a ter um embasamento em ecologia e não simplesmente sob uma questão de moral ou política. Nessa época, os estudos já conduziam a Ecologia para o campo preditivo, apesar do domínio ainda descritivo.

Segundo Clements (1920 apud Acot, 1990, p.48):
Cada planta é uma medida das condições que presidem ao seu crescimento (…) ela é uma medida do solo, do clima e consequentemente um eventual indicador do comportamento de outras plantas e animais que vivem no mesmo local.

A partir do desenvolvimento da Ecologia Animal, por Charles C. Adams e Vitor E. Shelford, ficou demonstrada a profunda relação entre os animais e as plantas na comunidade biológica. Neste contexto, Clements (1916) faz uma abordagem integrada da distribuição dos animais e plantas e cria o conceito de Bioma, uma unidade ecogeográfica (Acot, 1990). Clements (1916, 1936) propôs o termo bioma para associar os animais e suas interações com as plantas ao conceito de clímax. A unidade do clímax, por sua vez, seria melhor observável pelas formas de vidas dominantes, melhores adaptadas ao clima regional, especialmente, da vegetação que constituía a matriz fixa do clímax.

Clements (1936) elaborou uma extensa classificação sobre clímax, a qual teve na aparência da vegetação um dos principais referenciais. Para Clements, a tendência da vegetação para o clímax deveria ser considerada na escala do tempo geológico. E, que as variações na fisionomia da vegetação [paisagem] estariam relacionadas às espécies dominantes, ao clima, ao solo e à topografia, bem como às perturbações naturais e antrópicas.

A contribuição de Henry Allan Gleason

Gleason ficou mais conhecido pela sua concepção de distribuição indepentende das espécies vegetais em uma certa associação ou comunidade vegetal. Para Gleason, ‘as plantas vão aonde conseguem ir e onde as condições lhes forem favoráveis’. Esta ideia ficou conhecida entre os ecólogos, como o conceito “individualista” da associação vegetal.

“A medida que um observador continua seus estudos rio abaixo, novas espécies surgem gradualmente e muitas das originais, da mesma forma, gradualmente desaparecem. Em uma curta distância as diferenças são tão pequenas que podem ser negligenciadas, porém elas são acumulativas e resultam em uma modificação quase que completa da flora após algumas centenas de milhas (Gleason, 1926, p.14)“.

Gleason (1926, p.9) ressalta a importância da observação para entender os processos ecológicos:

Os ecólogos são treinados para serem acurados em suas observações e é muito improvável que qualquer um deles tenha errado propositadamente, no sentido de sustentar uma conclusão não inteiramente baseada em fatos.(Gleason, 1926, p.21).

Gleason  Henry Allan Gleason (1882–1975)
Cortesy: The New York Botanical Garden. All rights reserved. © 2005 – URL: http://library.nybg.org/

Para Gleason (1926), as descrições acuradas do ambiente são básicas para entender a vegetação, considerando a aparência, riqueza, estado de sucessão (regeneração) e condições ambientais gerais. As pequenas áreas de vegetação são partes da vegetação da superfície do globo e são ricas e valorosas para a descrição, discussão e questionamentos sobre o que provocou aquela configuração e suas perspectivas futuras Embora reconhecesse a existência das associações, teceu críticas a Clements, uma vez que sua concepção sobre a distribuição da vegetação [associação, comunidade] diferia radicalmente da teoria de Clements. Gleason enfatizou as várias dificuldades de se delimitar um tipo de associação ou uma sere de sucessão e focalizou sua atenção para a distribuição individual das espécies.

A associação de plantas existe, nós podemos caminhar nelas, podemos medir sua extensão, podemos descrever sua estrutura, podemos correlaciona-las com o ambiente, podemos freqüentemente descobrir parte da sua história e fazer inferências sobre seu futuro (Gleason, 1926, p.8).

De fato, para Gleason (1926, p.10), o que se pode observar com acuidade são muitas variações de acordo com o solo, topografia, substrato, entre outras:

A questão essencial é que uma uniformidade precisa na estrutura da vegetação não existe e não há nenhum consenso sobre o quanto de variação pode ocorrer dentro do âmbito de uma associação simples.

Além da imprecisão de se definir limites espaciais, ele considera o problema temporal (anual, sazonal) onde uma associação ‘nunca’ é a mesma. Diferentes ambientes podem possuir uma mesma associação e uma associação pode estar em diferentes ambientes. ‘Observando as associações podemos detectar suas mudanças e checar que uma dada associação pode, por exemplo, existir em um ano e não no outro’. A composição de uma associação pode mudar e nem sempre podemos definir os tipos de vegetação existentes nela, por exemplo, em ambientes fragmentados fica difícil saber se as espécies que ocupam uma matriz , são de fato invasoras ou oportunistas ou constituem uma fase inicial da regeneração.

A ideia fundamental de seu conceito de vegetação é que a distribuição espacial das espécies depende de suas próprias características de migração [dispersão] e exigências ambientais. Portanto, em virtude desse “comportamento” das plantas não haveria razão para se definir limites para as comunidades (a idéia de discretividade). Enfim, as plantas ‘vão aonde conseguem ir e onde as condições forem favoráveis’. Gleason (1926) conclui que a vegetação de uma área resulta de dois fatores, as variações na imigração das plantas e as variações ambientais (pressão de seleção). E estes fatores tendem a variar sempre, mas é possível encontrar em uma certa escala ambientes similares e estáveis e que podem desenvolver vegetações semelhantes, uma associação. O’Neill et al. (1986) argumentam que a principal falha da teoria de Gleason é minimizar os outros processos da dinâmica natural e maximizar a atuação das forças da seleção natural no nível das populações.

A visão de Arthur George Tansley

Tansley ficou mais conhecido por ter sido o primeiro a utilizar o termo Ecossistema. Este conceito surgiu, basicamente, em virtude das críticas de Tansley ao conceito de comunidade de Clements. A visão crítica de Tansley foi importante para se aprofundar, em detalhes, o que vem a ser a dinâmica dos ambientes naturais.

Tansley (1935), apesar do seu respeito e reconhecimento ao trabalho de Clements, fez uma série de críticas e praticamente derrubou, temporariamente, a visão organicista (holísta) de comunidades (o conceito de superorganismo – complex organism e bioma). Tansley criticou não só o fato da teoria considerar as comunidades como se fossem organismos, mas também por considerarem os animais e as plantas juntas, como seus elementos.

” Se alguns dos meus comentários são incisivos e provocativos, estou certo que meu velho amigo Dr. Clements e meu jovem amigo Dr. Phillips me perdoarão (Tansley, 1935, p. 285).

Sobre a ideia de “superorganismo” Tansley (1935, p. 286) comenta: … é mesmo uma confissão da crença holística. Como repercussão dessa fé na biologia eu devo ter que dizer algumas coisas a seguir…”.

Tansley2 Arthur George Tansley (1871 – 1955)

O debate aquece entre Arthur George Tansley, Alex Watt e Robert Whittaker

Para Kingsolver & Paine (1991), o maior legado deixado por Tansley foi o referencial metodológico para o estudo dos sistemas dinâmicos e que conduziu à visão atual de comunidades e ecossistemas. Essa visão inicial de integração entre os fatores bióticos e abióticos, levou a ênfase no fluxo de matéria e energia por Raymond Lindeman, que ampliou o conceito de ecossistema. Este contexto distanciou, ainda mais, a ecologia do referencial das paisagens e as críticas de Tansley iniciaram o debate, ainda insolúvel, sobre a abordagem reducionista e holísta do ponto de vista metodológico e filosófico na ecologia.

Alex S. Watt (1947) também fez críticas aos trabalhos de Clements e de Gleason. A Clements, pela falta de demonstração clara da integração de plantas e animais no bioma e a Gleason, por sua visão de fragmentar a comunidade em pedaços, o que ignoraria a importância da diversidade em uma certa mancha de habitat. Em resumo, Gleason tem minimizado a importância das relações entre os componentes da comunidade no espaço horizontal e no tempo. Estas relações constituem um vínculo básico para a manutenção da integridade da comunidade de plantas, elas a conferem a unidade de um sistema integrado (Watt, 1947, p.21).

Watt, A S Alexander Stuart Watt FRS(1892 – 1985)
Fonte: Greig-Smith: A.S. Watt: A biographical note, in: Newman EI ed, The plant community as a working mechanism –
https://en.wikipedia.org/wiki/File:Watt,_A_S.jpg

Watt (1947) contribuiu para o entendimento dos padrões espaciais de variação observáveis na dinâmica espacial e temporal das paisagens. Watt foi um dos pioneiros no estudo da heterogeneidade espacial através das manchas de habitats (patches), considerando as relações ecológicas entre as escalas (O’Neill et al, 1986; Real & Levin, 1991). Para O’Neill et al. (1986) as idéias de Watt não tiveram o merecido reconhecimento em sua época. Mesmo assim, segundo Huggett (1995), o artigo de Watt, em 1947, representa o “ponto de virada” na aceitação da ideia heterogeneidade das paisagens, hoje amplamente utilizada na ecologia Para Watt (1947), o estudo do componente vegetal da comunidade deve ser realizado através dos agrupamentos de indivíduos e de espécies, que formam diferentes tipos de manchas. As manchas estão dinamicamente relacionadas entre si e a sua susceptibilidade à mudanças, promovidas pelo ambiente, determina a persistência de certos padrões. Estes padrões configuram os mosaicos. Juntos, os mosaicos representam uma comunidade.

A comunidade como temos visto, consiste de manchas com áreas limitadas e diferenciada pela composição florística, idade da espécie dominante e pelo habitat (Watt, 1947, p.16). Robert Whittaker foi um dos pioneiros na realização da análise de gradiente fundamentada no conceito de continuum (Ricklefs, 1996). Peet (1991) destacou o trabalho de Whittaker, em 1956, que testou as teorias de Clements e Gleason, no momento em que a Universidade de Illinois mudava da escola de Clements para a de Gleason. Whittaker concluiu que tudo apontava para a teoria de Gleason. Além de derrocar a teoria de Clements, Whittaker fez a ecologia de comunidades ficar centrada no estudo de populações (Peet, 1991). Para O’Neill et al. (1986), o trabalho de Whittaker possibilitou o acoplamento entre as abordagens de escala espacial (de Gleason) e temporal (de Clements) na ecologia.

 Whittaker Robert H 1920 1980 Robert H. Whittaker (1920—1980)
National Academy of Sciences: Robert H. Whittaker (1920—1980) – A Biographical Memoir by Walter E. Westman, Robrt K. Peet and Gene E. Likens. http://books.nap.edu/html/biomems/rwhittaker.pdf; https://en.wikipedia.org/wiki/File:Whittaker-Robert-H-1920-1980.jpg

Eugene Odum resgata Clements

Embora a teoria de Ecossistema tenha sido estruturada no trabalho de Tansley e Raymond Lindeman, foram os irmãos Eugene e Howard Odum, por volta da década de 1950, os principais responsáveis pela difusão desta teoria e sua aplicação na sociedade.
Nesta época, a Ecologia ficou dividida em duas linhas de pesquisa: a abordagem sistêmica, fundamentada na teoria de ecossistemas; e a abordagem evolutiva, principalmente, fundamentada na ideia de distribuição independente das espécies.

O trabalho de Odum veio a retomar a visão mais integrada, ou holística, na ecologia. É neste sentido, que houve um resgate da visão inicial de Clements, apelidada de “superorganismo”. Até hoje em dia se debate qual a concepção que melhor se aplica aos ambientes naturais: a visão evolutiva ou a ecossistêmica?

“Ecossistema, ou Sistema Ecológico, é considerado como uma unidade de organização biológica. … . Como vimos aqui, a sucessão ecológica envolve o desenvolvimento de ecossistemas; isto tem muitos paralelos com o desenvolvimento biológico de organismos e também com o desenvolvimento da sociedade humana (Odum, 1969, p. 262)”.

De acordo com Acot (1990) e Brown (1991), a difusão da Ecologia de Ecossistemas se deve ao trabalho dos irmãos Odum, em especial, ao de Eugene Odum em The strategy of ecosystems development (1969). No referido artigo, Brown (1991) cita que Odum propôs uma síntese que conectasse a abordagem sistêmica e evolutiva, porém não houve uma conciliação com a escola evolutiva, mas sim, uma reação inicial de ridicularização por parte desta linha. Em seguida, a difusão da abordagem ecossistêmica promoveu mudanças em relação a sua aceitação entre os ecólogos, chegando até a ‘ressuscitar’ a visão holística de Clements.

Como vimos aqui, a sucessão ecológica envolve o desenvolvimento de ecossistemas; isto tem muitos paralelos com o desenvolvimento biológico de organismos e também com o desenvolvimento da sociedade humana (Odum, 1969, p. 262).

Eugene OdumEugene Pleasants Odum (1913 – 2002)  Odum, Howard T Howard Thomas Odum (1924 – 2002)

Além deste ponto, em que Odum se aproxima do pensamento de Clements acerca da ‘metáfora organicista’, um outro, se refere à tendência da sucessão a atingir uma estabilidade. O próprio termo “estratégia” [no título] diz respeito justamente a aquisição da homeostase, no nível da biosfera em relação ao ambiente físico, no sentido de o sistema estar mais protegido de perturbações (Brown, 1991). Essa proteção ocorre porque durante a sucessão se estabelecem certos tipos de interações e adaptações que favorecem a auto-regulação do ecossistema (Odum, 1969).

Tais mecanismos capacitam a comunidade biológica manter uma ampla e complexa estrutura biológica que mitiga perturbações do ambiente físico. O estresse severo ou mudanças bruscas trazem a tona forças externas que podem, obviamente, tirar esses mecanismos de proteção do sistema e permitir seu irrompimento, como a ocorrência do crescimento canceroso de certas espécies, que o ser humano freqüentemente encontra, para sua tristeza (Odum, 1969, p.264).

Segundo Brown (1991), a importância do trabalho de Eugene Odum se equivale ao de Robert MacArthur na ecologia mais recente, uma vez que, como conseqüência, a escola americana se dividiu em uma abordagem ecossistêmica e outra evolucionária. Outra abordagem polêmica e importante foi a inclusão do ser humano e suas atividades no âmbito da ecologia. Odum (1969) chamou nossa atenção prevendo as implicações do manejo de ambientes.

Brown (1991, p.252) comenta que este trabalho de Odum está mais atualizado hoje do que quando foi escrito: ele defendeu uma forma de zoneamento do uso da terra que limitaria a natureza e a distribuição das atividades humanas na paisagem, em um esforço para levar a população humana e a economia a um equilíbrio com a capacidade de suporte do planeta. Odum (1969, p.263) também ampliou a abordagem de ecossistema para destacar a importância do estudo de amplas parcelas de paisagens no controle da eutrofização. Para Odum a redução no aporte de nutrientes ao longo das bacias hidrográficas seria uma proposta óbvia para controlar a eutrofização cultural das águas nos Estados Unidos.


Referências:

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